"Ando devagar porque já tive pressa..."

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27/05/2020

Pontos e pespontos (sobre o dia da costureira)

Dia 25/05 foi "comemorado" o dia da costureira.
Hoje, não por acaso, assim espero, o canal Max apresentou o filme Revolução em Dagenham, que tem como enfoque a luta das costureiras da Ford Motors, no Reino Unido, do final dos anos 60 ao início dos anos 70.
Quando pensamos em costuras, chegamos a visualizar cenas de avós costurando para seus netos, tentando, ao tempo que se ocupam com algo prazeroso, presentear mimos, nem sempre bem acolhidos ou quando muito, que serão passados de geração a geração, como algo longínquo, um fazer remoto.
Dificilmente, conseguimos vislumbrar o trabalho de costureiras com teor mais concistente. E olha que eu percebo concistência inerente ao exemplo citado, das costuras das vovós. Sou uma delas - adoro costurar para meus netinhos. E como percebo! Pra mim, a linha tênue que separa o que realmente importa nesta vida e o que não deve ser tão valorizado, passa pelo encantamento que permeia as ações revestidas de sentimentos. Aquelas que não se dão de forma automática, mas ao contrário, são tecidas com suor, lagrima, sorriso.
Ao assistir o filme Revolução em Dagenham, lembrei de conversa recente, com um amigo, sobre costuras, na qual a lembrança da minha infância, lugar dos meus primeiros pontos, me aproximou ainda mais da imagem que tenho da minha mãe, com quem aprendi a costurar desde tenra idade.
Hoje assistindo ao filme, além de tudo que já sei e sinto sobre o fazer das costuras, me fortaleceu a idéia de que nenhuma atividade é menor que outra. Que todas, indistintamente, compõem o cenário do mundo do trabalho, que deveria seguir a máxima do dignificar o "homem".
Volto sempre à primeira peça que costurei. E com sorriso no rosto, lembro de como as estratégias contam em tudo o que podemos realizar. Da sobra de uma flanela branca, que papai comprou para mamãe coar café, (até hoje o café lá de casa é coado em flanela), fiz uma mini saia, lá no início dos anos 70, ornando-a com um pompom, que minha irmã , minha Maria número 3, me ensinou a fazer. Tempo em que, a partir da luta das costureiras da Ford de Dagenham, os salários das funcionárias tiveram equiparação salarial com o dos trabalhadores homens.
Costurar, para mim, sempre foi uma forma de expressão. Hoje reitero esta visão a respeito de uma atividade tão importante para a vida social, mas só valorizada quando relacionada ao meio da moda e das grandes empresas.
Como tudo na vida, o fazer da costura ganha e perde privilégio de status a partir de interesses. Devemos expor os nossos, para que não apenas sobressaiam os espúrios, os mal intensionados.
O filme citado mostra a luta de mulheres trabalhadoras no final da década de sessenta e início da de setenta, como já coloquei, mas muito antes disso, mulheres já lutavam em outras frentes. Desde que o mundo é mundo, mulheres trabalham, embora tenham tido seus trabalhos invisibilizados. E desde sempre tiveram suas demandas. Muitos, senão a maioria, dos avanços relacionados ao mundo do trabalho, são frutos da luta feminista. A mulher, em muitas culturas, consegue ampliar suas áreas de atuação pela noção estratégica de sobrevivência, se tornando capaz de implementar a multiplicidade e pluralidade de ser.
Com a minha mãe, aprendi da singeleza da vida que é ela que a faz bonita. E gosto da beleza da vida. Com meus pontos, pespontos, alinhavos, tento deixá-la um pouco mais amena e consigo. Por isso encontro com facilidade o sorriso. Mesmo em tempos que insistem em incobri-lo.

Lola (27/05/20)

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